Juliano Domingues da Silva
Jornalista e Cientista Político

Professor de Comunicação & Política da Universidade Católica de Pernambuco
juliano@unicap.br

Esqueça educação, saúde e segurança. Curiosamente, a pré-campanha ao governo do Estado de Pernambuco em 2014 tem sido marcada por um tema pouco comum em tempos de eleição: política tributária.

Apesar de se tratar de um debate fundamental, cujas consequências influenciam praticamente todos os aspectos da vida da população, é uma discussão com prazo de validade. A dinâmica da comunicação dos candidatos se encarregará de tirá-la de cena e mandá-la, novamente, para os gabinetes recheados de planilhas, cálculos e especialistas engravatados.

Embora os dois principais pré-candidatos ao executivo estadual – Paulo Câmara (PSB) e Armando Monteiro (PTB) – tenham relação direta com o assunto, não é difícil imaginar que o sepultamento desse debate deve ocorrer em breve – se não já está ocorrendo.

Alguns elementos empíricos, conceituais e filosóficos podem ajudar a antever e interpretar o desdobramento do debate pré-eleitoral, com a substituição desse tema por, provavelmente, saúde, educação e segurança.

Board room politics não interessa

Num contexto temático desse tipo, surge quase que naturalmente a pergunta: “será que o eleitor está interessado em discutir política tributária?”. A resposta é “não”, caso se tome como referência pesquisa da Confederação Nacional da Indústria (CNI) em parceria com o IBOPE, divulgada no início deste ano.

O resultado é previsível: para 49% dos 15.414 entrevistados, o que interessa mesmo é saúde. Depois, segurança (31%) e educação (28%). Outras pesquisas tendem a apresentar dados semelhantes.
Além disso, política tributária pode ser classificada como política “de sala de reunião” ou “de gabinete” – board room politics. Essa tipologia, desenvolvida por teóricos do campo da administração e de políticas públicas, é largamente utilizada em análises de casos concretos.

O tema pode ser interpretado como pouco saliente e complexo. Uma política pública pode ser considerada saliente em função do número de pessoas por ela atingida de maneira significativa; e complexa quando levanta questões a serem respondidas somente por especialistas.

Políticas “de sala de reuniões” ou “de gabinete” exigem a participação de especialistas técnicos para sua elaboração devido ao alto grau de complexidade, ao mesmo tempo em que não despertam a atenção do público em geral – ou seja, possuem baixo grau de saliência. Convenhamos: não é em qualquer esquina que se discute carga tributária como quem debate futebol.

Entra por um ouvido; sai pelo outro

Some-se a esse cenário outro fator, desta vez previsto pelas teorias da comunicação: o receptor da mensagem é mais simpático a apreender conteúdos com os quais concorda ou sobre os quais já possui algum conhecimento. Nesses casos, há menos resistência durante o processo de decodificação.

Em outras palavras, o que não se enquadra nesse perfil corre sério risco de, como se costuma dizer, entrar por um ouvido e sair pelo outro. Ou seja, tendemos a escutar só que queremos. É a chamada recepção seletiva.

O que nos desagrada, contraria ou não compõe nosso repertório acaba descartado. Alguém discorda que, de um modo geral, política tributária é um assunto um tanto desagradável para um bate-papo? Apesar disso, Paulo Câmara (PSB) e Armando Monteiro (PTB) têm abordado o assunto com certa frequência em aparições públicas e em entrevistas a veículos de comunicação.

Por quê? É possível levantar algumas hipóteses.

Provavelmente, o fazem por se sentirem à vontade para discutir o assunto. Ambos possuem experiência na área e, não por acaso, tomam a iniciativa de agendar a pauta da pré-campanha com esse tema.

Ao mesmo tempo, pode-se supor que, por enquanto, os dois agem com mais autonomia, menos guiados por pesquisas eleitorais e equipes de comunicação responsáveis por sugerir ao candidato que ele fale sobre aquilo que o eleitor quer ouvir.

Manter esse tema em evidência, nesse momento de pré-campanha, pode, ainda, ter uma motivação estratégica e benéfica para as contas da campanha: conquistar apoio do empresariado a partir da formulação de propostas de políticas tributárias.

Financiadores são racionais, agem segundo a regra do menor custo e, por isso, tendem a injetar recursos em campanhas de candidatos com propostas que os beneficiem no futuro. E se há algo que pode beneficiar potenciais financiadores ligados ao meio empresarial é política tributária.

O que faz você feliz?

Uma rede de supermercados cansou de perguntar em uma campanha publicitária recente: “o que faz você feliz?”. O comercial, de causar inveja àquelas propagandas de margarina cheia de gente sorridente, poderia ser só mais um vídeo bem bolado.

Mas, se pensarmos em comunicação em tempo de eleições, é mais do que isso.

O conteúdo toca num ponto fundamental. Perguntar “o que faz você feliz?” num contexto de governança possui raízes profundas na filosofia política utilitarista, cuja aplicação ao campo da comunicação serve de base para se definir estratégias de relação entre candidato e eleitor. A depender das respostas mais comuns, o discurso do candidato tende a variar ou não, adequando-se às expectativas de quem vota.

Pois bem, à primeira vista pode até não parecer mas política tributária tem um tremendo potencial para “fazer você feliz”. Entretanto, por se tratar de um tema de pouco apelo popular (isto é, possui baixa saliência, alta complexidade e é vítima da recepção seletiva), logo deve sair de cena e ceder lugar àquilo que parece atrair maior atenção do eleitorado.

Saúde, educação e segurança dão, potencialmente, mais audiência, por serem temas presentes no repertório da população em geral, além de menos abstratos. Há menos problema de recepção seletiva e mais saliência. O tempo de campanha é curto e, por exclusão, o debate sobre política tributária deve ser descartado ou perder consideravelmente o espaço até então ocupado.

Outro ponto: os candidatos devem perder gradativamente sua autonomia para os especialistas em estratégias eleitorais. O discurso adequado sob medida àquilo que o eleitor quer ouvir tende a prevalecer e questões relacionadas a tributação devem voltar às salas de reuniões, aos gabinetes.

Infelizmente. Porque se há algo que possui um tremendo potencial para “fazer você feliz” – com consequências para a saúde, educação e segurança – é uma política tributária que beneficie o cidadão.

Links

Acesse aqui a matéria sobre a pesquisa CNI e Ibope

Veja o comercial do Pão de Açúcar com o tema “O que faz você feliz?”

 

Publicado no Blog da Folha em 06 de maio de 2014