Tem circulado nas redes e mídias digitais a manchete do jornal satírico “O Sensacionalista” em que se lê “Infectologistas estudam se Moro é variante de Bolsonaro”, e a charge de Zé Dassilva que representa Bolsonaro como um Adão de cuja costela se fez Moro. É brincadeira com muito de verdade.

Sérgio Moro e Jair Bolsonaro disputam parcela significativa do eleitorado guiada por visões de mundo semelhantes e alimentadas por sentimentos abrigados confortavelmente sob o genérico guarda-chuva do antipetismo. Isso trouxe benefícios à imagem de ambos: um encarnou a Lava-Jato como se predestinado fosse e o outro usufruiu eleitoral e politicamente dos impactos causados pela força-tarefa no sistema partidário brasileiro.

Essa afinidade fez com que bolsonaristas se identificassem também como lavajatista; e lavajatistas como bolsonaristas em potencial. Moro no ministério conferiu estabilidade a essa relação, estremecida somente quando o ex-juiz deixou o governo, em abril de 2020, e se tornou adversário do presidente. Esse episódio, porém, está na superfície, pois no fundo lavajatistas e bolsonaristas têm mais em comum do que se imagina.

Isso significa que uma parcela desse segmento de eleitores é capaz de flutuar entre uma opção e outra. Ao voltar dos EUA, assinar filiação a um partido e lançar um livro, o ex-juiz ganhou visibilidade midiática na arena pré-eleitoral. É possível inferir efeitos dessa exposição a partir de pesquisa da Modal Mais/Futura Inteligência realizada entre 16 e 20 de novembro de 2021, ou seja, após esses eventos.

O percentual de quem mencionou espontaneamente Moro entre os candidatos conhecidos saltou de 0,8% (outubro) para 17% (novembro), à frente de Ciro (14%) e Dória (6,9%). A favor do ex-ministro conta, ainda, a perda de apoio de Bolsonaro, principalmente na sua base, conforme pesquisa Exame/Ideia: entre os mais ricos, a aprovação despencou de 54% (janeiro) para 22% (novembro); e entre os evangélicos, de 44% para 36%. Além disso, pesquisa Ipespe aponta Moro com margem significativa de crescimento, com 33% de probabilidade de voto, atrás apenas de Ciro (39%) no quesito.

Moro e Bolsonaro são variações sobre o mesmo tema. É bom levar a sério a “brincadeira” do Sensacionalista e de Zé Dassilva, pois, como próprio da boa charge, ela tem muito de realidade. É humor baseado em evidências.

Juliano Domingues, jornalista e cientista político, é coordenador da Cátedra Luiz Beltrão de Comunicação da Unicap.
Texto publicado no Jornal do Commercio em 05 de dezembro de 2021.