Juliano Domingues
Jornalista e Cientista Político
Professor de Comunicação & Política da Universidade Católica de Pernambuco
juliano@unicap.br

 

A veiculação dos programas do PTB estadual em TV, rádio e na internet foi, certamente, um dos principais fatos político-eleitorais desta semana em Pernambuco. As inserções estão previstas na Lei 9.096, de 1995, a qual dispõe sobre partidos políticos e regulamenta os artigos 17 e 14, § 3º, inciso V, da Constituição Federal.

Sobre esse fato, dois aspectos merecem ser ressaltados e analisados aqui:

(i) a interpretação do que diz a lei;

e

(ii) a relevância desse tipo de conteúdo audiovisual no contexto da política.

No texto de hoje, abordaremos o primeiro aspecto. Na próxima semana, traremos uma análise da relevância desse tipo de propaganda e do seu conteúdo, a partir do que a teoria política chama de “videopolítica”.

 

O que diz a lei?

Na Lei 9.096/95, a respeito da finalidade da propaganda partidária gratuita, lê-se:

 

Art. 45. A propaganda partidária gratuita, gravada ou ao vivo, efetuada mediante transmissão por rádio e televisão será realizada entre as dezenove horas e trinta minutos e as vinte e duas horas para, com exclusividade:
        I – difundir os programas partidários;
        II – transmitir mensagens aos filiados sobre a execução do programa partidário, dos eventos com este relacionados e das atividades congressuais do partido;
        III – divulgar a posição do partido em relação a temas político-comunitários.
        IV – promover e difundir a participação política feminina, dedicando às mulheres o tempo que será fixado pelo órgão nacional de direção partidária, observado o mínimo de 10% (dez por cento). (Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009)

 

Ao mesmo tempo, a Lei aborda aquilo que não se deve fazer nesse espaço de propaganda. Observe:

 

§ 1º Fica vedada, nos programas de que trata este Título:
        I – a participação de pessoa filiada a partido que não o responsável pelo programa;
        II – a divulgação de propaganda de candidatos a cargos eletivos e a defesa de interesses pessoais ou de outros partidos;
        III – a utilização de imagens ou cenas incorretas ou incompletas, efeitos ou quaisquer outros recursos que distorçam ou falseiem os fatos ou a sua comunicação.

 

Conforme prevê a legislação, trata-se de espaço para propaganda “partidária” e não “eleitoral”. Espera-se, por isso, que o conteúdo destaque ideias e, não necessariamente, pessoas. Essa expectativa é ainda mais forte para os casos em que essas pessoas circulam no meio político como “pré-candidatas”.

A propaganda partidária gratuita seria, portanto, um espaço em que deveriam predominar os aspectos programáticos da instituição “partido político”. Porém, não parece ser essa a regra, principalmente em momentos que antecedem convenções partidárias e eleições.

Quando os chamados “pré-candidatos” já estão praticamente definidos, é comum os partidos intepretarem de maneira instrumental o texto da lei para divulgar a imagem de seu provável – ou muito provável – candidato nas próximas eleições. E essa divulgação ocorre apesar do risco de sanção por parte da Justiça Eleitoral.

Para os infratores, a Lei prevê a seguinte punição:

 

§ 2o O partido que contrariar o disposto neste artigo será punido: (Redação dada pela Lei nº 12.034, de 2009)
        I – quando a infração ocorrer nas transmissões em bloco, com a cassação do direito de transmissão no semestre seguinte; (Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009)
        II – quando a infração ocorrer nas transmissões em inserções, com a cassação de tempo equivalente a 5 (cinco) vezes ao da inserção ilícita, no semestre seguinte. (Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009)

 

Em caso de infração, a Lei determina a cassação de tempo. Entretanto, observe que a punição ao partido que vier a ser condenado ocorre somente no semeste seguinte, quando não há eleições.

Não seria razoável questionar, então, se essa divulgação ocorre, justamente, por conta do tipo de sanção prevista por parte da Justiça Eleitoral? Na prática, o partido não teria incentivo algum para cumprir o que diz a legislação. É o que se pode supor, se levarmos em conta a ideia de “pressuposto da racionalidade”.

 

Racionalidade

A racionalidade nada mais seria do que uma correspondência ótima entre fins e meios. George Tsebelis, teórico da ciência política, sustenta em sua obra Jogos Ocultos que:

a atividade humana é orientada pelo objetivo e é instrumental e que os atores individuais e institucionais tentam promover ao máximo a realização de seus objetivos. A esse pressuposto fundamental chamo “pressuposto da racionalidade” (TSEBELIS, 1998, p. 31).

Boa parte da teoria política sugere que políticos e partidos são atores guiados pela racionalidade, isto é, que agem de maneira racional, uma premissa adaptada da economia a interpretações da ciência política. O comportamento instrumental prevê a adoção de uma estratégia adequada para se atingir determinado fim. Ele seria reflexo dessa racionalidade.

Portanto, se a punição for branda diante do benefício da infração, o ator tende a optar pela infração. Em outras palavras, “tudo vale a pena se a multa for pequena”. Na prática, significa que indivíduos e/ou instituições tomam decisão a partir de cálculos de custo-benefício. Exemplo: se a alternativa B for mais vantajosa politicamente do que a alternativa A, se traz mais benefício do que prejuízo, espera-se que o ator opte pela alternativa B.

Ao relacionar esse pressuposto ao caso da elaboração de programas de rádio e TV, pode-se supor que, a princípio, os partidos se veem diante de, pelo menos, duas alternativas:

 

(A) difundir programa partidário de forma impessoal, com destaque, unicamente, às ideias do partido e, assim, não correr riscos de serem acusados de desrespeito ao que diz a Lei 9.096/95;

ou

(B) utilizar a propaganda partidária gratuita para difundir sobretudo as ideias e imagem do provável candidato do partido nas próximas eleições e, assim, correr o risco de serem acusados de desrespeito ao que diz a Lei 9.096/95.

 

A história e a lógica já mostraram que não é difícil prever o comportamento de determinado partido diante de um cenário como esse.

Vejamos:

 

se políticos e partidos são atores racionais, isto é, se tendem a optar pelo caminho que lhes traz mais vantagem e menos prejuízo;

e

se o benefício em casos desse tipo (ou seja, a divulgação da imagem do candidato que, espera-se, pode se refletir em votos) é maior do que o prejuízo (punição)…

então

é possível supor que determinado partido fará a opção pela alternativa B.

 

A divulgação da imagem do candidato, sobretudo pelo rádio e pela TV, é parte extremamente importante do processo de convencimento do eleitor. A mensagem chega a milhares de residências de surpresa, entre um bloco e outro da novela ou do telejornal.

Diante do que prevê a Lei em termos de sanção, não é de se estranhar que, estrategicamente, os partidos optem por aproveitar esse espaço para difundir a imagem do seu candidato. A propaganda partidária serve, nesse caso, como instrumento para atingir esse fim.

E a impressão que se tem é a de que, em maior ou menor medida, todos os partidos com pré-candidato fazem isso, uma vez que o benefício tende a ser bem maior do que o possível prejuízo. No próximo texto, abordaremos o porquê disso, a partir da reflexão sobre “videopolítica”.

 

Vídeo do PTB

Você pode assistir às inserções do PTB clicando no link abaixo:

http://www.folhape.com.br/blogdafolha/?p=165979

Dica de leitura

Sobre racionalidade, uma obra fundamental é o livro de Tsebelis. Abaixo, segue a referência:

TSEBELIS, George. Jogos ocultos: escolha racional no campo da política comparada. São Paulo: Edusp, 1998.