Juliano Domingues
Manifestante pró-bolsonaro exibia uma faixa com os dizeres “Fake news não é crime!” em protesto em Brasília no último domingo de maio (31). De fato, fake news é muito mais do que crime – e não é de hoje.
A arqueologia da mídia atribui ao romano Júlio César a ideia de criar aquilo que depois viria a ser reconhecido como a origem do jornal. A Acta Diurna ou Acta Populi surgiu em torno do ano 60 a.C. para difamar adversários com mentiras publicadas entre notas de eventos públicos oficiais, como decretos ou decisões do senado, e acontecimentos privados banais, como casamentos e notas de falecimento.
Com a notícia, nasceu seu reverso, uma espécie de simulacro de verdade jornalística, cuja capacidade de produção e difusão se restringia a grupos poderosos. O desenvolvimento de tecnologias da informação e da comunicação, porém, quebrou o oligopólio da produção de mentiras ao reduzir significativamente os custos dessa operação. Com a internet e os smartphones, a difamação como estratégia, seja nos negócios ou na política, tornou-se esse fenômeno que a contemporaneidade passou a denominar de fake news.
Aqueles que aderem à prática podem e devem ser julgados moral e juridicamente. Calúnia e difamação camufladas de notícia destroem deliberadamente reputações de marcas e indivíduos, além de minar a confiança nas instituições democráticas. As fake news sabotam o fortalecimento da corrente de responsividade que deve guiar, por exemplo, a relação entre os Poderes da República e entre políticos e eleitores. Essa subversão das regras do jogo limpo civilizado tem o potencial de fomentar disfunções capazes de comprometer o sistema como um todo.
A legislação brasileira não prevê fake news como crime, é verdade. Pelo princípio da legalidade, se não há lei anterior, não há crime – argumento subjacente àquela faixa do protesto em Brasília. Mas é verdade também que esse discurso perde de vista, cinicamente, o fato das fake news serem o meio para a prática de crimes e não um fim em si mesmo. A difusão de informação falsa pode ser enquadrada em, ao menos, oito artigos do Código Penal e um do Código Eleitoral brasileiros, segundo estudo recente do Ministério Público de Santa Catarina (MPSC).
Fake news é, portanto, crime no mais amplo sentido da palavra, porque é desonesto, desleal e cruel, tanto em relação a indivíduos quanto a instituições. E não vale, agora, colocar a culpa em Júlio César.
Juliano Domingues é professor da Unicap.
Texto publicado no Jornal do Commercio no dia 21 de junho de 2020.
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