A recomendação está em inserções na TV e no rádio, em mensagens via redes sociais e em carros de som: fique em casa. As campanhas apelam para valores nobres como solidariedade e empatia, mas ainda há muita gente nas ruas. Por quê?

Parcela da população parece até concordar com o isolamento, mas não tem aderido a ele, como no adágio “faça o que eu digo, não faça o que eu faço”. Segundo o Datafolha, 76% dos brasileiros acreditam que ficar em casa é a medida mais importante neste momento para impedir a disseminação do vírus. Mas o Índice de Isolamento Social aferido por tecnologia de geolocalização da empresa In Loco para telefone celular indicou que apenas 57% dos brasileiros estão em isolamento.

Esse cenário ilustra um caso exemplar de problema de ação coletiva, em que os agentes sociais se dividem entre os que cooperam para um bem comum e os que não cooperam. Ele se manifesta em situações nas quais o benefício da ação individual é difuso, enquanto o custo é concentrado. Isso levaria parte da população a se sentir prejudicada em seus interesses, recusar-se a cumprir com sua parte do acordo e ignorar as recomendações de autoridades. Esse comportamento depende de valores compartilhados socialmente, como as ideias e coletividade e disciplina, o que explicaria a variação entre países.

Mas quando cada um faz sua parte, a relação se inverte e todos ganham em alguma medida, pois quanto maior a adesão, menor o ônus individual e maior o bônus coletivo. Essa é a lógica da política de distanciamento como forma de conter a disseminação do vírus. Embora haja uma maioria cooperativa, conforme dados do Datafolha e da in Loco, o volume de indivíduos não cooperativos pode comprometer esse controle.

Um incentivo perverso, porém, pode levar a uma mudança de comportamento dos desertores. A chance disso ocorrer aumenta na medida em que o ônus da não cooperação – ou o benefício da colaboração – se torna mais evidente. Ao colocar em risco a eficácia da política de controle adotada e, com isso, potencialmente aumentar o número de infectados e mortos, os que não cumprem com o isolamento aproximam o vírus de si mesmos, dos seus familiares e amigos.

O problema de ação coletiva apresentado pelo Covid-19 coloca à prova nossa capacidade de se importar com os outros e conosco, em uma situação na qual até altruísmo e egoísmo se solidarizam. Faça sua parte. Fique em casa.

Juliano Domingues é professor da Universidade Católica de Pernambuco.

Texto publicado no Jornal do Commercio no dia 12 de abril de 2020.