Juliano Domingues

 

O impeachment de Dilma Rousseff é objeto de estudo exemplar para as ciências humanas e sociais. Por meio dele, a realidade se impôs e ofereceu uma extensa agenda de pesquisa em torno do debate sobre a qualidade da nossa democracia.

O volume de dados relativo ao caso é fantástico e pode ser facilmente acessado pelos interessados em adotar o evento como problema a ser investigado. Não faltam informações. Somente o relatório final, por exemplo, possui preciosas 27 mil páginas.

Ao longo dos últimos nove meses, as manifestações via mídias sociais demonstraram sua relevância. No Twitter, as hashtags #ImpeachmentDay, #RespeiteAsUrnas e #NaoVaiTerGolpe chegaram a liderar os Trending Topics mundiais. Durante votação no plenário da Câmara, em 17 de abril, foram 225 mil tuítes.

O impeachment também provocou uma avalanche de notícias na imprensa nacional e internacional. Editoriais, artigos e reportagens abordaram o evento sob os mais diversos enquadramentos e ressaltaram a necessidade de se investigar a relação entre mídia e política.

As atividades realizadas na Câmara e no Senado renderam um espetacular banco de dados audiovisual. Apenas a sessão de julgamento somou 68 horas de narrativas divergentes sobre a natureza e as reais motivações do afastamento da presidente. Disponível no Youtube, trata-se de material riquíssimo.

O volume de informação gerado pelo episódio sugere a dimensão da sua complexidade enquanto objeto de estudo. Entretanto, a ciência dispõe de ferramentas e estratégias de investigação que tornam possível sua análise, sob diversas perspectivas.

Decifrar o processo de impeachment com rigor teórico-metodológico e distante das paixões político-partidárias promete ser o principal desafio das ciências humanas e sociais nos próximos anos. Assim, será possível fazer inferências sobre a realidade e, com isso, compreender a dinâmica do evento, seus mecanismos causais e os interesses que o motivaram. Como diria Millôr, temos um longo passado pela frente.

Juliano Domingues é coordenador do Grupo de Pesquisa Políticas e Estratégias de Comunicação da Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação-INTERCOM

Texto publicado no Jornal do Commercio no dia 04 de setembro de 2016.