Juliano Domingues
Em 1971, Marcos Valle gravou uma ode à desconfiança. O samba-rock “Com mais de 30” recomenda: “não confie em ninguém…”. A música bem que poderia ser a trilha sonora da frágil democracia brasileira.
Pesquisa CNI/Ibope divulgada sexta-feira (01/07) indica que 66% dos entrevistados não confiam no presidente interino Michel Temer. Em levantamento do mesmo instituto realizado em março, 80% afirmaram não confiar na presidente Dilma Rousseff.
Esses números refletem o clima de suspeição generalizada já apontado nos últimos anos pelo Índice de Confiança Social (ICS) medido pelo Ibope. Em 2009, o ICS geral era de 60%; em 2015, após redução gradual, chegou a 49%. Em relação às instituições, no mesmo período, passou de 58% para 45%.
O maior nível de desconfiança recaiu sobre partidos políticos (17%), presidência da República (22%) e Governo Federal (30%). Esses dados ajudam a compreender os números da pesquisa CNI/Ibope. Pode-se afirmar que o resultado não surpreende.
Alto nível de confiança está associado a democracias robustas. Noruega (75%) e Finlândia (74%) são bons exemplos disso – os dados são do European Social Survey (ESS). Por outro lado, alto nível de desconfiança está associado a democracias frágeis. A América Latina (16%) e a África (15%) ilustram essa situação em termos regionais, segundo o Latinobarômetroe o Afrobarômetro, respectivamente.
A filosofia política sugere que seres humanos são naturalmente desconfiados. Isso seria reflexo de um instinto de sobrevivência. Entretanto, índices elevados de suspeição podem representar uma ameaça ao próprio indivíduo e à coletividade. Com receio de vir a se tornar a próxima vítima, o ser humano procura se antecipar pela força ou pela astúcia. Tem-se, assim, o estado de guerra hobbesiano de luta de todos contra todos. A ambição e a competição por poder engrossam com querosene esse caldo político e social.
Esse é um terreno fértil à lógica do “salve-se quem puder”. Em ambientes de baixo capital social, reduz-se a chance de indivíduos ou grupos cooperarem em busca de benefícios coletivos. É o que a literatura em Ciência Política chama de armadilha social. E quando não se confia em ninguém, todos perdem.
O samba-rock de Marcos Valle recomenda não confiar em ninguém com mais de 30 anos. Nossa jovem democracia ainda não chegou lá, mas vive sob forte suspeição.
Juliano Domingues é doutor em Ciência Política e professor da Unicap.
Texto publicado no Jornal do Commercio no dia 26 de junho de 2016.
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