O mundo da “interatividade absoluta e da conectividade permanente”, para usar uma expressão do professor Muniz Sodré, enfrenta uma pandemia de desinformação. A “desinfodemia” se caracterizada pela sobrecarga de informação mais ou menos imprecisa, de teorias da conspiração a achados científicos fantasiosos, e tem custado vidas.

Esse cenário foi confirmado pelo COVID19 Infodemic Observatory, iniciativa que analisa a relação entre a evolução da epidemia de Covid-19 e a dinâmica das mídias sociais e reúne pesquisadores da Bruno Kessler Foundation, Universidade de Harvard e Universidade de Milão. A pesquisa identificou fonte suspeita na origem de 40% de 112 milhões de postagens feitas no Twitter em 64 línguas. O estudo também revelou forte presença dos social bots nessa disseminação: 42% das mensagens sobre Covid-19 são produzidas por robôs que se comportam como humanos. Dessas, 40% não são confiáveis.

O vírus da desinformação possui, ao menos, três cepas: (1) desinformation – informação falsa criada contra determinado grupo, organização ou país; (2) misinformation – informação falsa, mas sem intenção de causar prejuízos; e (3) mal-information – informação baseada na realidade, mas usada para causar danos. Na avalanche de conteúdo, a população teria dificuldades para distinguir o que é ou não informação confiável. Em meio a uma pandemia de coronavírus, isso se refletiria no número de vítimas.

Em outras palavras, quanto maior a exposição à desinformação, maior a chance do Covid-19 se disseminar. No caso do Brasil, merece destaque o dia 28 de abril, quando o País chegava a 5.017 mortes e o presidente da República dizia “E daí?”. Naquele momento, a exposição a conteúdo não confiável atingiu o ápice desde o início da série, em janeiro, aponta o COVID19 Infodemic Observatory.

Pesquisa da Fiocruz corrobora com a tese da “desinfodemia”. Levantamento realizado entre março e abril identificou que, no Brasil, a disseminação de desinformação sobre coronavírus está concentrada no WhatsApp (73,7%), Facebook (15,8%) e Instagram (10,5%). Das mensagens falsas no WhatsApp, 71,4% citam a Fiocruz como fonte.

A ideia de “desinfodemia” só é possível em um mundo guiado por interações sociais absolutamente midiatizadas como o atual. Ela, portanto, antecede o coronavírus. A pandemia da Covid-19, porém, revela de modo cristalino a armadilha das redes que nós mesmos tecemos.

Juliano Domingues é professor da Universidade Católica de Pernambuco.

Texto publicado no Jornal do Commercio no dia 10 de maio de 2020.