Juliano Domingues

 

Em democracias não há inimigo, mas adversário. O objetivo não é destruir o opositor, mas superá-lo nas urnas. Não há uma luta, mas uma eleição, ao fim da qual o perdedor reconhece o resultado e parabeniza o vencedor. O desrespeito a essas regras básicas se chama incivilidade política.

As eleições deste ano nos EUA parecem ser um caso exemplar desse fenômeno. “Essa é a campanha mais disfuncional da nossa história”, foi o que ouvi do consultor político Ted Celeste. Aos 71 anos, ele se dedica ao projeto National Institute for Civil Discourse. O objetivo é incentivar a tolerância na política. “Estou quase desistindo”, brincou, dando uma boa risada.

Na última quinta-feira, o político republicano Newt Gingrich bateu boca ao vivo com a âncora da Fox Megyn Kelly. Quando questionado sobre a possível relação entre a queda de Donald Trump nas pesquisas e denúncias de assédio sexual, Gingrich falou com dedo em riste que a jornalista era “fascinada por sexo”.

Semana passada, foi a vez do vice-presidente Joe Biden sair da linha. Em um forte discurso, disse que gostaria de voltar aos tempos do colegial e acertar as contas com Trump no braço. Poucos dias depois, Trump ironizou Biden chamando-o de “garoto valentão” e afirmou que adoraria brigar com ele.

Mês passado, Hillary Clinton também errou a mão ao classificar apoiadores do candidato republicano como “deploráveis”. Ela precisou se retratar. Trump não deixou por menos e, durante debate, chamou sua adversária de “nasty woman” – a tradução publicável seria “mulher nojenta”. Como de costume, ele não se retratou.

O tom ofensivo tem apoio principalmente entre republicanos. Pesquisa da Monmouth University indica que 65% dos eleitores de Trump consideram justificável o uso desse tipo de linguagem. Entre eleitores de Hillary, 17% pensam o mesmo.

Isso fica evidente nos comícios da chapa republicana. No material vendido nos locais, os adjetivos impressos em broches, camisas e adesivos contra a adversaria vão de “vadia” a “pilantra”. Outros, de tão desrespeitosos, são impublicáveis.

No último debate, Trump não respondeu se reconheceria o resultado em caso de derrota. A TV NBC fez a mesma pergunta aos eleitores. Entre democratas, 60% disseram “Sim, certamente reconheceriam”; entre republicanos, 21%. A falta de civilidade política acendeu a luz amarela da democracia nos EUA.

Juliano Domingues é doutor em Ciência Política e acompanha as eleições nos EUA a convite do Departamento de Estado.

Texto publicado no Jornal do Commercio no dia 30 de outubro de 2016.