Juliano Domingues da Silva

A filosofia da ciência nos ensina que teorias e conceitos são como redes lançadas ao mundo para capturar aquilo que entendemos como realidade. Assim, seria possível racionalizá-la e compreendê-la. Nos últimos tempos, o conceito de escândalo político-midiático parece um bom instrumento para essa finalidade.

O pesquisador e professor de sociologia da Universidade de Cambridge John B. Thompson é o principal nome ligado ao desenvolvimento desse conceito. Ele é elemento fundamental na sua teoria social do escândalo. Nela, a mídia desempenha papel de destaque, uma vez que a disputa por poder político ocorre, sobretudo, por meio do exercício do poder simbólico.

Entretanto, antes de tratar propriamente da concepção de escândalo político-midiático, é preciso abordar o conceito de poder simbólico e sua relação com os meios de comunicação. Tal tipo de poder se refere à capacidade que determinados atores possuem de intervir no rumo dos acontecimentos por meio das chamadas formas simbólicas. Estas, por sua vez, são basicamente tudo aquilo produzido e disseminado pela indústria de mídia, principalmente notícias, cujo consumo tende a se refletir no nosso entendimento sobre o mundo e, consequentemente, no nosso comportamento.

A atividade jornalística é talvez aquela que melhor ilustra o exercício desse poder. Em tese, ela possui o potencial de fazer ou desfazer reputações, conforme afirmou Pierre Bourdieu, um dos mais respeitados teóricos da sociologia contemporânea. Quando o poder simbólico é exercido, o que está em jogo é o capital simbólico de quem é retratado pela mídia. No fim das contas, disputa-se a confiança da audiência. E isso não é pouco.

Um dos episódios mais célebres nesse sentido diz respeito ao escândalo que entrou para história como caso Watergate. Atribui-se ao empenho da cobertura jornalística a renúncia, em 1974, do então presidente dos EUA, Richard Nixon. No Brasil, a literatura em comunicação aponta o suicídio de Getúlio Vargas, em 1954, como o desfecho trágico de um escândalo político-midiático. O mesmo também poderia ser dito em relação ao impeachment, em 1992, do então presidente da República, Fernando Collor de Melo.

A revelação de casos dessa natureza pela mídia tende, assim, a impactar o desenrolar dos acontecimentos subsequentes, a ponto de comprometer a permanência de presidentes da República no poder. O controle de meios de informação e comunicação pressupõe o potencial de exercer poder simbólico, ou seja, de fazer ou desfazer reputações. No mundo ideal, iniciativas nesse sentido seriam motivadas pelos mais nobres valores democráticos.

Não espanta que recursos comunicacionais sejam alvo de disputa entre diferentes atores políticos, nas mais diversas arenas, nos mais distintos momentos históricos. Sob esse pano de fundo, desenvolve-se o conceito de escândalo político-midiático, normalmente associado a episódios de corrupção a envolver políticos ou ocupantes de cargos públicos. Esse fenômeno é identificado em casos cuja dinâmica passa a ser ditada não mais pelos atores legalmente instituídos para isso, mas pela mídia ou, mais especificamente, pela imprensa.

Façamos, portanto, o que sugere a filosofia da ciência: lancemos essas redes teóricas e conceituais ao mundo. A maré de realidade parece favorável a análises nesse sentido. Quem sabe consigamos capturar algo.

 

Juliano Domingues da Silva é doutor em Ciência Política e professor da Unicap.

Publicado no Jornal do Commercio no dia 20 de março de 2016.