O mineiro Pedro Aleixo foi o único dos 23 integrantes do Conselho de Segurança Nacional do regime militar a votar contra o Ato Institucional nº 5, em 13 de janeiro de 1968. Na ocasião, teria feito uma ressalva que se tornou célebre: “O problema de uma lei assim não é o senhor [referindo-se a Costa e Silva], nem os que com o senhor governam o país. O problema é o guarda da esquina”.
Folclore ou não, o fato é que a atualidade da ressalva indica o quanto o Brasil vai mal no quesito violência política. O Observatório da Violência Política e Eleitoral da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Unirio) registrou 214 casos neste primeiro semestre de 2022. O número representa um aumento de 23% em comparação com o mesmo período de 2020, ano de disputa municipal, quando foram contabilizados 174 casos. Intimidações, agressões e homicídios são as ocorrências mais frequentes.
Dados dessa natureza são fundamentais para aferir saúde democrática. Isso porque a democracia oferece a possibilidade de ascensão ao poder e sucessão sem derramamento de sangue, em disputas nas quais, em vez de cortadas, cabeças são contadas. Não por acaso, um axioma clássico da teoria democrática prevê que a tolerância em relação a opositores aumenta na medida em que também aumentam os custos da eliminação de adversários. É o que se vê em democracias robustas.
Por outro lado, quando os custos da supressão são baixos, grupos políticos e militantes se veem incentivados a mandar às favas a tolerância e ameaçar ou suprimir violentamente seus adversários. É o que acontece em democracias capengas, como a nossa. A relação é óbvia: quanto mais episódios violentos associados à dimensão política-eleitoral, pior a qualidade da democracia.
Na prática, isso ocorre quando um policial prende quem usa uma faixa contra o presidente, como em Goiás; quando um drone lança veneno sobre a cabeça de militantes em um evento político, como em Minas; ou, quando disfarçado de aliado, um sujeito explode uma bomba em um comício, como no Rio.
Não há mais AI 5, é verdade, mas o autoritarismo continua à espreita, incentivado por um governo nostálgico daquele regime. A história demonstra que tudo ali, na época de Pedro Aleixo, era bem problemático, a ponto de anos depois aquele guarda deixar a esquina para invadir uma festa e executar o aniversariante por motivo político.
Juliano Domingues, jornalista e cientista político, é coordenador da Cátedra Luiz Beltrão de Comunicação da Unicap.
Texto publicado no Jornal do Commercio no dia 17/07/22.
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