Com a disputa de 2º turno para a Prefeitura do Recife entre PSB e PT, quase 40% do eleitorado que votou em Mendonça (DEM) e Delegada Patrícia (PODE) no 1º turno se viu órfão. Esse cenário suscita o questionamento: para onde vão esses 313 mil votos até o dia 29 de novembro?

São dois os caminhos: o da ausência deliberada ou o do voto estratégico. O primeiro já foi publicamente assumido tanto por Patrícia quanto por Mendonça quando anunciaram, respectivamente, que votarão em branco e se abster. Em função das circunstâncias, qualquer posicionamento diferente representaria um custo político elevado para ambos, o que torna essas escolhas um tanto previsíveis. Cada um a seu modo decidiu abrir mão de interferir diretamente no resultado e rejeitar de modo amplo as opções disponíveis.

A estratégia de igualar a rejeição às opções no 2º turno busca equiparar os sentimentos anti-PT e anti-PSB, com dois desdobramentos a depender do seu grau de influência no comportamento de eleitores do DEM e do Podemos: (i) o aumento do percentual de abstenção, de votos brancos e nulos, o que denotaria, em alguma medida, uma vitória política de Mendonça e Patrícia; e, por conseguinte, (ii) o favorecimento da candidatura vencedora no 1º turno, uma vez que a ausência deliberada tem como potencial consequência não intencional contribuir com a vitória de João Campos.

A outra possibilidade de migração pressupõe a ideia de voto estratégico, com objetivo não de colaborar para a eleição do candidato do PSB ou da candidata do PT, mas, ao contrário, com o intuito de criar obstáculo ao sucesso eleitoral da opção considerada a pior comparativamente. O eleitor participaria motivado pela ideia de redução de danos, a partir da premissa de que é possível escalonar a rejeição e, assim, optar pela alternativa menos desconfortável para ele. Residiria aí a “utilidade” ao voto, ou a ideia de “voto útil”, dado não a favor, mas contra alguém.

A chave-explicativa para o resultado desse 2º turno no Recife reside, portanto, no sentimento de rejeição compartilhado por 40% do eleitorado às alternativas disponíveis. Vencerá a eleição a candidatura menos rejeitada, seja por ausência deliberada ou pelo voto estratégico. Nessa e em qualquer outra disputa eleitoral, não somente todo voto é útil, mas até mesmo o ato de não votar tem sempre alguma utilidade para alguém.

Juliano Domingues, doutor em Ciência Política, é professor da Universidade Católica de Pernambuco.

Texto publico no Jornal do Commercio no dia 22 de novembro de 2020.