Não há como despolitizar a pandemia do novo coronavírus. Essa reivindicação, sob o pretexto da neutralidade, é uma forma de politizá-la com potencial de interditar o debate motivado pela pergunta “a culpa é de quem?” e, com isso, comprometer o processo de responsabilização dos gestores da crise.

Após um ano em contexto pandêmico, o eleitorado brasileiro parece identificar Jair Bolsonaro e seu governo como condicionante relevante da atual situação. Em agosto de 2020, o Datafolha apontou que 47% dos entrevistados isentavam o presidente de culpa pelas mortes da pandemia; em dezembro, eram 52%. Em março deste ano, no entanto, outra pesquisa Datafolha indicou um cenário diferente: 43% veem o presidente como principal culpado; 17%, governadores; 9%, prefeitos.

A gestão de uma crise sanitária é essencialmente política, seja sob a perspectiva das políticas públicas (policy) ou dos seus desdobramentos em termos de relações de poder (politics). A percepção do eleitor quanto ao comando – ou à ausência dele – teria o potencial de influenciar preferências políticas e se refletir em comportamento eleitoral. Isso representaria uma etapa chave da responsabilização, com a punição ou premiação nas urnas dos mandatários envolvidos com a gestão de políticas de combate ao novo coronavírus.

Processos de tomada de decisão variam em função de um cálculo que leva em conta momentos antecedentes, o presente e a expectativa de futuro. A série XP/Ipespe demonstra não somente o aumento da avaliação negativa em relação ao governo federal, mas uma perspectiva ainda pior em termos de percepção por parte do eleitor. O pessimismo quanto ao restante do mandato Bolsonaro tem crescido desde o final do ano passado, com a expectativa “ruim e péssimo” passando de 33% em dezembro para 45% em março, enquanto o otimismo caiu de 40% para 29% no mesmo período. Ainda nesse levantamento, 81% dos entrevistados afirmam preferir uma mudança total (52%) ou moderada (29%) da forma como o Brasil está sendo administrado.

Uma avaliação negativa do presente alimenta desejos de mudança para o futuro, sobretudo quando há eleições no horizonte próximo. Os elementos norteadores para esse tipo de balanço e eventual comportamento eleitoral passam, incontornavelmente, por atribuição de responsabilidade política. Despolitizar esse debate convém, portanto, à manutenção do status quo.

Juliano Domingues, doutor em Ciência Política, é professor da Universidade Católica de Pernambuco.