O brasileiro é, antes de tudo, um otimista. Nem o ano de 2020 foi capaz de abalar essa incrível capacidade do nosso povo de acreditar que, “daqui pra frente, tudo vai ser diferente”, mesmo que não haja elementos consistentes para isso. Pesquisa Datafolha ilustra essa profusão de percepções em relação ao que tem sido o ano de 2020 e ao que se espera de 2021.

A maior parte dos entrevistados, 53%, diz que o País não fez o que deveria ter sido feito para evitar as mais de 181 mil mortes por Covid 19, quase o mesmo percentual, curiosamente, que isenta o presidente da República de qualquer culpa: em agosto, eram 47%; agora, são 52%. Esse quadro demonstra que a estratégia discursiva e política adotada por Bolsonaro de se eximir de responsabilidades tem surtido efeito, o que preserva parte do seu capital político, mas compromete a prestação de serviço público e mina a reputação de órgãos da própria gestão federal.

Não por acaso, parcela significativa do eleitorado estabelece uma espécie de descolamento entre Bolsonaro enquanto indivíduo e seu próprio governo, como se isso fosse possível. O Ministério da Saúde é um caso exemplar: em abril, na era Mandetta, a pasta desfrutava de 76% de avaliação considerada ótima ou boa, mas, após uma queda fenomenal, esse número chega, agora, a 35%. Ao mesmo tempo, o percentual de brasileiros que nunca confia nas declarações do presidente, que já foi de 46% em junho, despencou para 37%.

Essa fragilização da confiança no Ministério da Saúde compromete diretamente a reputação do País em campanhas de vacinação a ponto de aumentar, entre agosto e agora, o percentual da população que diz não pretender se vacinar: passou de 9% para 22%; entre os que dizem sempre confiar no presidente, o percentual chega a 33%. Esses números sugerem algo cruel: o fomento à desconfiança em relação ao sistema de saúde pública rende popularidade ao governo.

Em resumo, o brasileiro considera ineficiente o controle da pandemia, isenta o presidente, culpa o Ministério da Saúde e desconfia da vacinação. Mesmo assim, 68% acreditam que 2021 será melhor do que 2020, percentual ainda maior (82%) entre bolsonaristas fiéis, o que não surpreende. Afinal, sentimentos dessa natureza estão no reino das paixões, no qual expectativas costumam ser alimentadas mais por crenças do que por evidências. Mesmo assim, feliz 2021!

Juliano Domingues, doutor em Ciência Política, é professor da Unicap.

Texto publicado no Jornal do Commercio no dia 20 de dezembro de 2020.