Juliano Domingues
A semana começa com uma expectativa de entendimento entre o governo federal e os governadores. A interpretação desse movimento multifatorial deve incluir dois aspectos: (i) o processo de construção da opinião pública a partir da credibilidade das TVs na pandemia e (ii) o alinhamento entre a cobertura televisiva e o discurso dos governantes estaduais.
Na disputa por mentes e corações, a TV é aliada de luxo em tempos de Covid-19. Para 79% dos brasileiros, esse é o meio de comunicação de maior credibilidade, segundo pesquisa Kantar Thermometer. Levantamento do instituto Qualibest apontou, ainda, que a Globo é a mais confiável das emissoras, com 19% de confiabilidade, à frente até do Ministério da Saúde, com 14%. Rede Record (10%), Band (3%) e SBT (3%) também aparecem na lista.
A cobertura das emissoras se concentrou em um “jornalismo de serviço”, humanizado e baseado em evidências científicas. Suas pautas passaram a girar em torno da gravidade da situação, com destaque para número de vítimas e a ineficiência do Estado em auxiliar os vulneráveis. Isso permitiu o agendamento do debate público, para usar um termo técnico, o que reforçou a política dos governadores.
A TV se tornou a principal companhia de boa parte dos confinados, seu jornalismo alcançou picos de audiência com potencial de influenciar a percepção do telespectador sobre a realidade e, consequentemente, suas opiniões e comportamentos. Não por acaso, 76% da população acredita ser o isolamento social a melhor forma para evitar a contaminação, enquanto 14% acham essa medida exagerada (XP/Ipespe, 16 a 18 de maio); e 67% defendem o isolamento para todos, independentemente de ser ou não grupo de risco (CNT/MDA, 07 a 10 de maio).
Esses números ilustram o que a teoria chama de “ideia dominante”, contra a qual se voltou o presidente, numa estratégia de confronto com a realidade que se mostrou contraproducente: 69% dos brasileiros aprovam a gestão dos governadores no combate à Covid-19, de acordo com CNT/MDA. Levantamento XP/Ipespe aponta cenário nessa mesma linha: 58% dos entrevistados avaliam como ruim e péssima a atuação do governo federal; no caso dos governadores, esse percentual é de apenas 23%.
Ao confrontar os governadores, o presidente Bolsonaro declarou guerra, também, ao prestígio da cobertura televisiva e perdeu a batalha da conquista opinião pública. A mudança de tom soa como reconhecimento da derrota.
Juliano Domingues é professor da Unicap.
*Texto publicado na seção de Opinião do Jornal do Commercio de Pernambuco no dia 24 de maio de 2020, p. 21.
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