Juliano Domingues

Início de ano é terreno fértil para cultivar esperanças e semear expectativas. A contagem regressiva marca a crença na renovação das oportunidades, como se a todos fosse concedida uma nova chance para recomeçar. Ou a quase todos.

Pesquisa realizada pelo Instituto Datafolha e divulgada no final de dezembro sugere uma associação entre expectativa e renda salarial. O otimismo é maior entre os que ganham mais de 10 salários mínimos: 57% acreditam que a situação econômica do Brasil vai melhorar em 2020. Essa é a mesma percepção de 50% dos que recebem entre cinco e 10 salários.

A expectativa também é positiva entre gestores de fundos de investimento, conforme pesquisa do Bank of America, da qual participaram profissionais que atuam na América Latina e que administram um total de US$ 72 bilhões em ativos. Os dados, divulgados pelo jornal Valor, apontaram que 80% deles estimam o índice Ibovespa acima dos 120 mil pontos neste ano e 28% acreditam que ele pode chegar a 130 mil pontos.

Agentes econômicos e políticos devem estar atentos a esse sentimento, pois ele costuma influenciar o comportamento de consumidores e eleitores no presente. É o que as ciências sociais chamam de “profecia autorrealizável” ou o que a psicologia denominou de “efeito Pigmaleão”: a percepção dos indivíduos tende a induzir suas ações de tal forma a colaborar para transformar expectativas em realidade.

Se percepções positivas costumam alimentar horizontes otimistas, o inverso também se aplicaria. Os dados da mesma pesquisa Datafolha reforçam essa hipótese, ao apontar que quanto menor a remuneração, maior o pessimismo. Entre os que recebem entre dois e cinco salários, 44% acreditam que a situação vai melhorar, percentual ainda menor, 39%, na faixa daqueles com até dois salários mínimos.

Há um ano, o otimismo variava de 64% entre os de menor renda a 67% entre os de maior renda. Naquele momento, no fim de 2018, um novo presidente acabara de ser eleito, o que representou uma variável interveniente relevante. Mas em um país cuja metade da população vive com R$ 413 por mês e em que a renda mensal de 60% dos trabalhadores é menor do que um salário mínimo, parece ser preciso mais do que eleições ou uma contagem regressiva para renovar a esperança em um futuro melhor.

A letra de um famoso samba-enredo diz que “sonhar não custa nada”. Pode até soar como verdade, mas não é o que sugerem os números – ao menos para 2020.

Juliano Domingues é professor da Unicap.

Texto publicado no Jornal do Commercio no dia 05 de janeiro de 2020.