Juliano Domingues
Bruno Gueiros Barbosa

Imagine se sentir livre, mas ter a liberdade somente de escolher o molho com que você será devorado em uma espécie de fast food regulatório com apenas duas opções: o Estado ou as grandes corporações. Essa alegoria ilustra o debate – ou a falta dele – a respeito de projetos de lei sobre fake news no Congresso. Se você usa internet, é bom ficar de olho.

O atual contexto compromete a elaboração de dispositivos legais adequados de combate à desinformação. O controle do novo coronavírus impede a realização de fóruns plurais e amplos indispensáveis à construção de medidas regulatórias de interesse público e a CPMI das Fake News às vésperas de uma eleição é capaz de influenciar de maneira decisiva o processo de formulação de leis.

A ausência da sociedade civil nessa arena indica uma assimetria de poder com incentivos à captura da regulação por coalizações efetivas em busca de legislação favorável, quase sempre em prejuízo ao cidadão/consumidor. Às custas dos nossos dados, empresas fazem fortuna e governos monitoram posicionamentos políticos. Corre-se, assim, o risco de uma causa nobre – o combate à desinformação intencional – transformar-se em mero pretexto para supressão de direitos individuais fundamentais relacionados à expressão e à privacidade.

Esses são temas sensíveis do projeto de lei 2.630/2020 que tramita no Congresso e que é alvo de críticas de entidades dedicadas à questão dos direitos e da segurança na Internet. A identificação em massa e a rastreabilidade nos aplicativos de mensagens são proposições que podem, por exemplo, levar ao uso indevido de informações, exposição dos perfis, vigilância e controle dos usuários.

Para a Coalizão Direitos na Rede, o risco do projeto reside essencialmente em ignorar o princípio da coleta mínima de dados que norteia a Lei Geral de Proteção de Dados e o Marco Civil da Internet. O Coletivo Brasil de Comunicação Social (Intervozes) ressalta que regulações desse tipo devem se concentrar na dinâmica da disseminação de desinformação e não sobre a análise do conteúdo, o que reduziria ameaças à liberdade de expressão.

Política é organização e pressão: quanto maior a prevalência de determinado grupo em um processo regulatório, maior a chance de seus interesses se transformarem em lei – ou em “molho” com que os ausentes costumam ser devorados.

Juliano Domingues é professor da Unicap e Bruno Gueiros Barbosa é doutorando em Comunicação da UBI (Portugal).

Texto publicado no Jornal do Commercio no dia 05 de julho de 2020.