Juliano Domingues
Ovo faz bem ou mal à saúde? O fato dessa pergunta ter ganhado status de piada pronta com a ciência reflete e reforça a ignorância quanto à lógica da construção de conhecimento científico. A atual pandemia, porém, pode ser pedagógica nesse sentido e ajudar a mudar esse quadro de desconhecimento.
O vai e vem das descobertas científicas sobre coronavírus intensamente noticiadas nos meios de comunicação de massa pautou a mídia e a agenda pública. As matérias simplistas sobre benefícios ou malefícios – não apenas do ovo, mas também do chocolate ou do vinho – perderam espaço para mesas-redondas e notícias baseadas em evidências mais robustas (embora nem sempre), com entrevistas de pesquisadores das mais diversas áreas.
Coincidência ou não, dados recentes da Edelman Trust Barometer indicam que 91% da população brasileira apontam cientistas como porta-vozes mais confiáveis sobre o vírus, percentual bem maior comparativamente ao crédito dado a autoridades governamentais (53%). Pesquisa Pew Research indicou algo semelhante nos EUA, onde a confiança nos cientistas cresceu gradualmente entre 2016 e 2020, passando de 76% para 87%, respectivamente.
A representação midiática do trabalho científico atrelada a essa confiança tende a contribuir para popularizar a lógica da verdade provisória, a partir da qual a pesquisa científica deve operar e avançar. Nessa avalanche de notícias sobre covid-19, espera-se que o nocivo estereótipo do “comprovado cientificamente” como verdade absoluta seja soterrado pela honestidade da “tentativa e erro”.
Com rigor metodológico, a verdade é descoberta aos poucos, com incrementos ou reviravoltas em relação ao que já se sabia. O quanto o uso da máscara evita o contágio? O frio favorece o vírus? Diabetes e asma são fatores de risco? Com centros de pesquisa e pesquisadores permanentemente conectados, perguntas desse tipo têm sido levantadas e hipóteses, testadas na urgência exigida pelas circunstâncias atípicas. Afinal, tempo é vida.
Isso não ocorre, vale a ressalva, sem a constante ameaça da superstição à razão, por vezes movida a interesses econômico-político-eleitorais que confrontam a objetividade científica com convicções subjetivas. Com uma população mais alfabetizada cientificamente, no entanto, haverá menos espaço para mitos e soluções mágicas – e a piada sobre o ovo não terá mais graça.
Juliano Domingues é professor de metodologia científica na Universidade Católica de Pernambuco.
Texto publicado no Jornal do Commercio, p. 21, no dia 02 de agosto de 2020.
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