Votar é expor-se, é confessar eleitoralmente crenças e valores, mesmo que de forma secreta, na cabine de votação. Nessa hora, revela-se como nos situamos individualmente e de que forma enxergamos o outro. No contexto pandêmico, essa relação entre escolha eleitoral e comportamento social parece ainda mais evidente.

Esse é o tema, por exemplo, do estudo Quantas Vidas Cabem em um Voto? . Nele, pesquisadores do Instituto de Estudos para Políticas da Saúde e da Fundação Getúlio Vargas identificam uma relação positiva entre apoio eleitoral ao presidente Jair Bolsonaro e a aceleração da mortalidade por Covid-19. Ao cruzar dados eleitorais, Índice de Isolamento Social (IIS) e número de óbitos, a investigação constatou que a mortalidade acelerou justamente em estados e municípios onde Bolsonaro foi mais votado em 2018 e onde se respeitou menos o distanciamento social.

A unidade de inteligência do Congresso em Foco desenvolveu estudo nessa linha com resultado semelhante: estados com maior concentração de eleitores de Bolsonaro são aqueles com maior taxa de mortalidade. Isso inclui 12 estados, dos quais nenhum da região Nordeste e apenas um deles governado por um oposicionista, o Espírito Santo, do governador Renato Casagrande (PSB). Infere-se que a presença majoritária de eleitores bolsonaristas nesses 12 estados ajudaria a compreender o número de mortes, pois estaria associada a um conjunto de comportamentos defendidos pelo presidente em oposição a normas sanitárias da OMS.

The Disastrous Effects of Leaders in Denial: Evidence from the COVID-19 Crisis in Brazil é outro estudo sobre o mesmo tema, elaborado por pesquisadores do Insper, Ibmec e da University of Toronto (Canadá) e divulgado nas últimas semanas. A investigação aponta que os municípios nos quais Bolsonaro obteve maior número de votos no segundo turno das eleições 2018 são também aqueles mais afetados pela Covid-19. O discurso negacionista do presidente em aparições públicas repercutido por emissoras de rádio e TV também é apontado como um condicionante relevante, sobretudo nas localidades em que ele possui forte base eleitoral.

O ato de votar não é algo isolado. Essa decisão emerge de um sistema mental compartilhado socialmente a guiar comportamentos para além do ambiente eleitoral. Escolhas eleitorais dizem sobre nós mesmos muito mais do que se pode imaginar.

Juliano Domingues, doutor em Ciência Política, é professor da Universidade Católica de Pernambuco.